Algumas palavras sobre dispositivos e dinâmicas…
O conceito de “dispositivo” em Cinema-Educação mudou ao longo do tempo; continua mudando, na verdade. A novidade do nosso uso do termo é simples: hoje entendemos que um dispositivo é necessariamente feito em grupo. Mas, para nós, fazer em grupo não significa fazer junto com outras pessoas: significa, por exemplo, que o dispositivo não seja feito “para” ser entregue ao professor, ou que ele não seja feito com o objetivo de aprender algo sobre a história ou a prática do Cinema – leia mais sobre nossa concepção de “grupo” nas páginas Pedagogia e Bibliografia. Uma boa proposta de dispositivo, conforme entendemos, mobiliza uma invenção e não uma reprodução: ter objetivos, ou ter referências que funcionem como objetivos (por exemplo, ver um vídeo para exemplificar como fazer o dispositivo), vai contra a noção de grupo – embora caracterize outros usos do conceito de “dispositivo”, principalmente os que ligam-se mais aos cadernos do Inventar com a Diferença. Nossa pedagogia é uma do não-ensino e nossas práticas de “dispositivos” expressam isso.
Uma definição concisa para nosso conceito de “dinâmica” seria: uma dinâmica é uma proposta individual feita a um conjunto de pessoas que demanda uma desindividualização. Assim, uma dinâmica pede que algo seja jogado ao mafuá; é aí mesmo que ele passa a ser entendido como tal. Uma vez tendo alguma coisa no mafuá, ele passa a ser um espaço universal aberto a qualquer outra coisa que venha a ser desindividualizada, comum a todo o grupo. Por isso, a dinâmica demanda também um momento de trânsito pelo mafuá; de fato, poderíamos dizer que sempre que algo é desindividualizado, o grupo precisa dar atenção a isso – olhar o que tem para ser olhado, ouvir o que tem para ouvir, e falar sobre essa experiência estética de acessar uma dimensão universal. A dinâmica, portanto, se inicia em um nível individual e termina, idealmente, sendo feita em grupo: porque mobiliza processos que resultam em encontros estéticos de alteridade.
As dinâmicas trazem um deslocamento de gesto, e um deslocamento que vem como resultado de um processo – e não como demanda, como geralmente acontece no caso do dispositivo. O dispositivo, quando coloca um problema, exige um gesto criativo, imaginativo, despretensioso, etc, para alcançar uma solução. É verdade que qualquer um é capaz de fabular e de inventar, então o dispositivo não pede nada impossível de ser feito: ao contrário, ele proporciona uma situação que nos permite verificar na prática essa igualdade de princípios humanos. Mas uma proposta de dispositivo do tipo “fazer um vídeo de um minuto mobilizado pela ideia de desvio” já traz mil questões que precisam do tal gesto para se resolver: o que é um desvio? Ou, simplesmente, um grande “como assim?”. O educador que busca realizar um trabalho de grupo, naturalmente, recusa-se a responder e cria esse vazio que demanda preenchimento; mas aí o dispositivo exige o gesto. A dinâmica toma como ponto de partida a ausência dos gestos; ela considera que as pessoas estão “frias”, que elas vêm de um mundo em que estão pensando em outras questões, e cria um caminho de transição entre um e outro. Ela busca partir do não-gesto para chegar no gesto: busca estabelecer um outro tempo, e uma outra relação com o tempo. Instaurar o estranho é sempre necessário para os processos de um grupo, e a dinâmica faz isso bem. Ela quebra os lugares.
DISPOSITIVOS QUE JÁ REALIZAMOS
1. objetos e olhares
— A educadora traz alguns objetos para o encontro e os concentra em um ponto da sala. Quanto mais aleatória for a escolha, melhor;
— O grupo se divide em duplas;
— Uma das pessoas compõe o espaço com os objetos dados e diz para sua dupla como enquadrar e fotografar a composição;
— A segunda pessoa controla a câmera e tira uma foto;
— Cada dupla faz a atividade 2 vezes, intercalando as funções.
2. memórias transformadas
— O grupo se dispõe em roda;
— Cada um deve pensar na memória mais antiga que conseguir lembrar. Faz-se silêncio;
— Quem se sentir à vontade, começa compartilhando sua memória com o grupo. É importante que todos falem;
— O grupo se divide em duplas;
— Cada dupla deve juntar as duas memórias e transformá-las em um filme de um minuto.
3. uma foto por uma letra
— Em roda, cada um do grupo se apresenta dizendo apenas seu nome e “um lugar em que se sente confortável”;
— Cada um deve explorar o espaço onde o encontro ocorre e encontrar um objeto cujo nome comece com a mesma letra que o seu lugar. A noção de “objeto” aqui deve ser entendida amplamente;
— Tirar uma fotografia do objeto. Deve-se pensar em relações entre o objeto e o lugar e tentar colocar isso na imagem.
4. cores e texturas montadas
— Em duplas, com o celular, fazer 1 minuto de vídeo mobilizado pela ideia de “cores e texturas”;
— Usar a função de pausar e continuar a gravação para fazer uma “montagem na câmera” intercalando diferentes durações de planos.
5. pensar, esquecer, filmar…
— Cada participante do grupo deve escolher uma palavra da classe dos adjetivos. Esta palavra não deve ser verbalizada para o restante das pessoas;
— Os participantes recebem a instrução de “ficar com a palavra um pouco“. Faz-se silêncio por alguns minutos;
— Todos devem esquecer suas palavras;
— Cada um deve fazer um vídeo de 30 a 60 segundos.
6. fotografia narrada inventada
— Um participante escolhe uma foto em seu celular que tenha alguma relação consigo mesmo;
— A foto é entregue para outra pessoa do grupo que deverá se apropriar da foto e inventar uma história para ela, como se fosse sua;
— A narração da história inventada da foto é filmada por um participante e gravada em áudio por outro, enquanto o restante ouve e interfere com perguntas;
— O participante que recebe a foto não deve ter um tempo dedicado a inventar uma história. O ideal é que a invenção aconteça no processo coletivo de narrá-la e responder às perguntas.
7. tamanho dos objetos
— O grupo se divide em dupla;
— Cada dupla deve fazer 1 minuto de filmagem;
— A filmagem deve ser impulsionada pela ideia de “tamanho das coisas”;
— A câmera deve estar sempre em movimento;
— O som não deve ser gravado.
8. muitas adaptações
— Cada um deve “pensar em um som que passou pelo seu dia”. Faz-se silêncio por um tempo.
— Folhas em branco e canetas são distribuídas. A tarefa é transformar esses sons em “coisas” no papel. Não se deve assinar as folhas!
— Conforme termina, cada participante deve colocar sua folha no centro da roda.
— Quando todos concluírem, cada um pega uma folha. Deve-se explorar o espaço e transformar o conteúdo da folha em sons e imagens.
9. corpo e câmera
— Cada um segura a câmera na mão e a coloca para filmar.
— Com olhos fechados, deve-se explorar o espaço. Todo tipo de movimentação é válida.
— Todo o grupo deve fazer ao mesmo tempo. Os esbarrões importam.
10. fotografia narrada e 3 fotos
— Em roda, cada participante deve pensar em uma fotografia que tenha alguma relação consigo mesmo e narrá-la para o grupo.
— Depois que todos tiverem falado, a próxima etapa é escolher alguém do grupo e tirar três fotos a partir da narração feita pela pessoa. As três fotos devem ter alguma relação de montagem.
— Todas as ajudas são válidas. O restante do grupo pode contribuir atuando, encenando, iluminando, discutindo, etc.
11. a não-textura
— Caminhar pelo espaço e encontrar uma textura.
— Pegar a câmera e ir até a textura escolhida.
— Fotografar aquilo que não é a textura.
DINÂMICAS QUE JÁ REALIZAMOS
1. de onde você é?
— O grupo se posiciona em pé e em roda;
— Uma pergunta é feita, “de onde você é?”;
— Todos devem responder ao mesmo tempo;
— Em seguida, o grupo troca de lugares e uma nova roda é formada, com as pessoas em posições diferentes;
— A pergunta é feita novamente, mas agora cada um deve respondê-la com algo que foi dito por outra pessoa;
— Após algumas rodadas, o grupo conversa sobre o que cada um ouviu e falou.
2. as palmas
— O grupo se posiciona em roda;
— Cada um deve bater palmas independentemente e de olhos fechados;
— O objetivo é sincronizar as palmas a partir da escuta;
— Uma pessoa fica de fora, com um gravador e um fone de ouvido, livre pela sala para
registrar os sons;
— Rodadas de palmas podem ser feitas e a pessoa com o gravador pode ir alternando;
— No fim, o grupo ouve as gravações e as discute.
3. descrição comovida
— Cada participante recebe uma folha em branco;
— A proposta é “pensar em um objeto que te lembre alguém” e então o descrever na folha, sem nomeá-lo;
— Quem se sentir à vontade pode descrever também porquê o objeto em questão lembra alguém;
— Os papéis com as descrições são colocados dentro de um recipiente, sem nenhuma identificação de autoria;
— Um por um, os papéis são tirados, lidos em voz alta e discutidos pelo grupo.
4. reescrita filtrada
— Cada participante recebe aleatoriamente trechos de músicas e poesias. Ao educador que vai escolher os trechos, é importante não ter nenhum objetivo em mente do tipo “escolher tais trechos para tratar tais assuntos”.
— O desafio é reescrever o trecho recebido usando outras palavras;
— O grupo deve levar em conta que o trecho, ao ser reescrito, estará sendo filtrado por uma subjetividade. Cada participante tem a liberdade de adicionar ou modificar como quiser;
— Os trechos serão lidos e discutidos em voz alta por quem os escreveu. Deve-se ler primeiro sua reescrita e depois a versão original.
5. os metrônomos
— Um metrônomo faz uma marcação de tempo para o grupo, que se organiza em roda;
— As luzes são apagadas;
— Cada um adiciona os sons que se sentir à vontade;
— Alguém fica livre pela sala com um gravador;
— Novas rodadas são feitas com diferentes marcações de tempo;
— No fim, o grupo ouve as gravações e as discute.
6. interferências comovidas
— O grupo se dispõe em roda;
— Cada participante escolhe uma experiência que teve com uma obra de arte;
— O grupo faz silêncio e cada um pensa na experiência escolhida;
— Cada participante recebe uma folha em branco com a orientação “preencher a folha com coisas“;
— Depois de alguns minutos, as folhas são passadas para o lado e cada um continua preenchendo na folha que recebeu;
— Quando as folhas retornam aos donos originais, o grupo discute sobre o que foi feito.
7. fotografia narrada
— O grupo se dispõe em roda;
— Cada participante escolhe uma foto em seu celular;
— Um por vez, cada participante apresenta sua foto para o grupo e narra a história dela.
8. linhas cruzadas
— O grupo se dispõe em roda;
— Alguém começa dando uma informação (por exemplo, seu nome) para outra pessoa. Essa outra pessoa dá uma informação da mesma natureza para outra, que dá para outra, e para outra, até todo mundo da roda tenha falado algo para alguém;
— Repete-se algumas vezes o passo anterior, com cada um se direcionando à mesma pessoa — para que o antecessor e o sucessor de cada um sejam fixados;
— Várias rodadas podem ser feitas com novas informações sendo usadas em cada uma.
9. texto de encontro
— O grupo assiste a uma obra audiovisual.
— Cada um recebe uma folha em branco, caneta, e a instrução de “escrever coisas mobilizadas pela experiência de assistir“. As escritas devem ser feitas ao mesmo tempo em que se assiste à obra.
— No fim, cada um compartilha com o grupo o que produziu.
— Com tesoura, o desafio é recortar as coisas que cada um escreveu e colar esses fragmentos em uma única folha em branco, construindo assim um texto coletivo. Essa produção deve ser encarada como montagem.
— No fim, o grupo discute o que produziu.
10. mapa de desvios
— O grupo se dispõe em roda.
— Cada participante recebe um livro que contenha fotografias e a instrução de “encontrar uma forma desviante, ficar com ela um pouco, e não mostrá-la para ninguém“.
— Folhas em branco são entregues para todos. É dada a instrução de “preencher o papel com coisas a partir da forma desviante encontrada“
— Depois de algum tempo (geralmente entre 2 e 4 minutos, a depender do tamanho o grupo), os participantes se levantam, deixam suas folhas onde estão e trocam de lugares. Com a nova folha em mãos, cada um deve continuar preenchendo o papel a partir da forma desviante que encontrou no segundo passo.
— O passo anterior é repetido até que todos passem por todas as folhas.
— Quando os participantes retornam à sua folha inicial, o grupo para e discute o que produziu.
— Um papel grande (cartolina, kraft, etc) é colocado no centro do grupo. O desafio é que cada um fragmente a folha que tem em mãos e que a partir disso o grupo faça uma colagem coletiva no papel central. Antes de começar recortar, as folhas devem trocar de mãos mais uma vez para que cada um recorte a folha do outro.
11. as formas desviantes
— O grupo deve ter uma pilha de livros à disposição. Livros com figuras, fotos, palavras – formas das mais variadas possíveis, são bem vindos.
— Cada participante deve escolher um dos livros e pegá-lo.
— Cada um deve encontrar uma “forma desviante” no livro e “ficar com ela um pouco”.
— Papéis em branco e canetas são distribuídos. Os livros devem ser deixados de lado para a próxima etapa.
— A tarefa é preencher o papel a partir da forma desviante encontrada.
— Depois de dois ou três minutos, enquanto as pessoas ainda estão trabalhando nos papéis, os lugares devem ser trocados. Deixa-se a folha no seu lugar e senta-se onde havia outra pessoa.
— Deve-se continuar preenchendo o papel (o papel da outra pessoa que está no novo lugar) a partir da forma desviante que você encontrou.
— A troca de lugares se repete até que todos tenham preenchido um pouco de cada folha.
12. descrição pela ausência
— Cada um deve pensar em um lugar com o qual se tem alguma relação. Faz-se silêncio.
— Papéis em branco e canetas são distribuídos. Deve-se descrever o lugar a partir do que não se encontra nele: listar as coisas e as razões de porque elas não estão nesse lugar. Só vale usar palavras. As folhas não devem ser assinadas com nomes.
— Quem for terminando, deve colocar o papel no centro da roda.
— Quando todos concluírem, alguém se dispõe a pegar um dos papéis e a lê-lo em voz alta para todo o grupo. A pessoa que faz essa leitura pode mudar a cada rodada.
13.
— Cada um, um por vez, deve apresentar seu nome e dizer algo sobre si.
— Quem se identificar com a fala anterior, deve buscar uma “coisa” que se relacione com ela e mostrá-la ao grupo.
— Depois de mostrar a coisa, a pessoa toma a vez, fala seu nome e algo sobre si. E assim sucessivamente.
14.
— Ao mesmo tempo, todos param e pensam em um som que poderá ser ouvido no espaço em que se encontra.
— Também simultaneamente, todos trazem este som para o encontro.
15. roda da mesma categoria
— Cada um fixa a visualização de uma pessoa da videochamada (de modo que cada veja apenas uma pessoa sem repetição).
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— Alguém começa mostrando um objeto para a câmera.
— Quem vê a câmera dessa pessoa, mostra um objeto “da mesma categoria” para a câmera.
— Todos fazem o mesmo: mostram um objeto da mesma categoria do objeto que vêem na câmera fixada.
16. mestre mandou
— Esqueça a imagem.
— Alguém vai nos dizer o que fazer com o corpo.
— Todos devem fazer, inclusive quem propôs.
— Após alguns comandos, alguém assume o lugar.